quinta-feira, 11 de agosto de 2011

A(s) crise(s) económica(s) do século XXI simplificada(s)

O ano de 2001 foi um ano crítico. Foi nesse ano que o presidente republicano George W. Bush iniciou a "Guerra contra o Terrorismo", ordenando a invasão do Afeganistão. Dois anos mais tarde, o mesmo presidente ordena a invasão do Iraque. Tais operações, em paralelo com outras, provocaram uma aumento substancial do Orçamento para a Defesa por parte dos EUA e dos seus aliados, que vai perdurando até aos dias de hoje.

Ora, ainda em 2001 dá-se o rebentamento financeiro da "Bolha da Internet". A especulação relacionada com as empresas de Tecnologia de Informação e Comunicação, provoca a criação de inúmeras empresas baseadas na internet, com uma valorização em alta das suas acções.  Os investidores tomaram opções de grande risco e confiança nestas empresas sem a necessária fundamentação, tanto pelo rápido aumento dos preços das acções, como pela disponibilidade de capital de risco e pela confiança e falta de regulação do mercado. Logo após o auge das suas cotações, as acções destas empresas entram em queda acentuada, o que provocou a falência, venda e fusão de muitas delas.
Para proteger os investidores, Alan Greenspan, presidente da Reserva Federal Americana, decidiu orientar os investimentos para o sector imobiliário, adoptando uma política de taxas de juros muito baixas e de redução das despesas financeiras. Os intermediários financeiros e imobiliários criaram uma clientela cada vez maior para investir em imóveis, através da Fannie Mae e Freddie Mac. Atraídos pelas garantias governamentais, vários bancos de todo o mundo, acabaram por dar crédito às imobiliárias através da Fannie Mae e da Freddie Mac, criando o sistema das hipotecas subprimes, empréstimos de alto risco e de taxa variável concedidos a famílias com alto risco de incumprimento. Na realidade, eram financiamentos de casas, muitas vezes conjugados com a emissão de cartões de crédito, concedidos a pessoas que os bancos, sabiam de antemão, não terem rendimentos suficientes para poder arcar com suas prestações. Os bancos, com essas hipotecas, criaram títulos livremente negociáveis, o mercado de subprimes, que obtiveram a mais alta notação financeira dada pelas agências de rating (AAA), passando a ser vendidos para outras instituições.

Em 2005 a Reserva Federal Americana aumenta as taxas de juro para reduzir a inflação, fazendo cair o valor dos imóveis e impossibilitando o seu refinanciamento para os contraentes de risco, provocando muitos incumprimentos. Os tais títulos criados esvaziaram-se e tornaram-se impossíveis de vender a partir de meados de 2007, originando um efeito dominó que fez ruir o sistema bancário internacional.

Em 2008, o quarto maior banco de investimento dos states, o Lehman Brothers abre falência. Este banco tinha investido fortemente em títulos do mercado de subprime, o que originou a desconfiança dos analistas, que aumentou ainda mais após o colapso do banco Bear Stearns no início desse ano. O Tesouro americano ajudou, então, a JP Morgan Chase a comprar o Bear Stearns e nacionalizou as empresas de hipoteca que detinham metade do mercado americano, Fannie Mae e Freddie Mac. O Governo Federal havia anunciado medidas de emergência para facilitar o crédito estatal a empresas com dificuldades financeiras, contudo não foram suficientes para salvar o Lehman Brothers, sendo que, pouco tempo depois, outras entidades, como o banco Merrill Lynch e a seguradora AIG (a maior dos EUA) entram em bancarrota.

A falta de regulação de mercado deu lugar à falta de soluções do mercado para resolver a crise que teve desde logo um efeito sistémico nos mercados financeiros mundiais, obrigando o Governo Federal a injectar muitos milhões de dólares para salvar a AIG. O Governo de George W. Bush implementou um plano de resgate económico, um pacote de ajuda governamental de 800 biliões de dólares para evitar a falência de grupos financeiros e de imobiliário. Poderosas instituições americanas como o Citigroup e Merrill Lynch, declararam perdas colossais nos seus balanços, o que aumentou ainda mais a desconfiança, resgatou-se com dinheiros integralmente públicos algumas delas, como o American Internacional Group. Em suma, a crise do crédito de hipotecas provocou uma crise de confiança geral no sistema financeiro, que aliado à falta de liquidez bancária, paralisou o mercado de empréstimo entre bancos, o núcleo do sistema financeiro, exigindo uma forte intervenção dos Estados, através dos seus Bancos Centrais, com uma injeção de capital nunca antes vista e a conceder créditos a várias entidades financeiras, evitando o efeito dominó, com a quebra em cadeia de outros bancos.

Os pregadores do “mercado livre” acreditam que os mercados tendem a equilibrar-se de uma forma natural, em que cada individuo pode procurar livremente os seus próprios interesses, ao mesmo tempo que se alcançam os interesses da sociedade. Esta é a ideologia dominante actualmente, mas como já foi explicado anteriormente, foi a intervenção do Estado nos mercados que evitou o colapso dos sistemas financeiros. O Moral Hazard nos EUA encorajava uma expansão do crédito, em tempos de crise as autoridades financeiras iam injectando liquidez no sistema financeiro, incentivando os consumidores a endividarem-se. A regulamentação e supervisão estatal dos mercados financeiros foi desaparecendo, tornando o Estado incapaz de avaliar os riscos, abdicando dessa responsabilidade, surgindo as empresas privadas de rating, pagas pelos agentes que operam no mercado, que por sua vez também lhes fornecem a informação. Assim, nas vésperas da queda da Fannie Mae, as tais agências atribuiam-lhe uma notação financeira de risco AAA.

Em pouco tempo a crise começou a afectar a Europa e a zona Euro. Vários países da União Europeia anunciaram pacotes e linhas de crédito que ultrapassaram 1 trilião de euros para ajudar os seus sistemas financeiros. Para evitar o colapso financeiro, o governo do Reino Unido resgatou o Northern Rock, o Bradford & Bingley, o Royal Bank of Scotland, HBOS e o Lloyds TSB, a Alemanha salva o Hypo Real Estate, o estado dinamarquês, através do seu banco nacional, adquire o Roskilde Bank, no Benelux (especialmente à conta da Bélgica) são nacionalizados o Fortis e o Dexia, em Espanha, através do Banco de España, são salvos a Caja de Ahorros Castilla la Mancha e a Caja Sur. Na Letónia, o banco estatal adquiriu o Parek Bank e o Golas Bank, o mesmo acontecendo em Portugal relativamente ao Banco Português de Negócios. A Irlanda, classificada na altura, como a terceira economia mais livre do mundo pelo “The Wall Street Journal” e a “Heritage Foundation”, entra numa crise feroz que perdura até aos dias hoje, com um défice enorme, muito devido às nacionalizações da banca a que foram obrigados, caso do Anglo Irish Bank, o Allied Irish Bank, o EBS Building Society e Bank of Ireland.
A Islândia, país com um elevado nível de vida, ficou em bancarrota, pois teve que privatizar os três maiores bancos do país (Glitnir; Landsbanki; Kaupthing), entrando numa grave crise económica, tendo que mais tarde que resgatar o banco de investimento Straumur. O Governo de direita, então no poder, anunciou medidas “draconianas”, com cortes de salários e aumentos de impostos. Porém, os islandeses nas eleições seguintes elegeram a coligação de esquerda, chefiada por Johanna Sigurdardottir, que baixou o valor da moeda para tornar as exportações mais baratas, fortalecendo as indústrias locais e o emprego, equilibrando as finanças ao mesmo tempo, sendo que, neste momento, o país saiu da recessão.


A desconfiança do sistema financeiro gerou um aumento das taxas de juro para a concessão de empréstimos, prejudicando os planos de investimento das empresas e o consumo por parte da população. Um menor investimento implica uma contração das economias, provocando o desemprego, que por sua vez provoca um menor consumo, uma menor receita fiscal e maiores encargos para o Estado em subsídios e apoios sociais.

Em finais de 2009 desenvolveu-se um temor entre os investidores relativamente à dívida soberana de alguns países da União Europeia,  nomeadamente alguns membros da zona Euro: Grécia, Irlanda e Portugal. A dívida soberana (garantida pelo Estado), aliada a um défice excessivo, a uma falta de confiança dos mercados (expressa pelas notações das agências de rating) e um esfriamento da economia nos vários Estados criaram suspeitas relativamente a solvabilidade desses países, tornando os títulos de dívida pública menos seguros aos olhos dos investidores, aumentando-se as taxas de juro.
A falta de uma política económica comum da União Europeia, mesmo estando sobre uma união monetária permite que os diferentes estados-membros adoptem diferentes modelos e vias económicas, assim como "aldrabar" as suas contas para poder cumprir com as metas estabelecidas pelos alemães, que só tiveram em conta a sua realidade económica quando criaram as regras, esquecendo que os outros países encontram-se num patamar diferente de desenvolvimento,  apontando os incumprimentos somente quando são praticados pelos outros países. Como a Irlanda, Grécia e Portugal já não possuem moeda própria, já não podem utilizar o velho sistema da desvalorização da moeda pela impressão de mais dinheiro, com o qual compra dívida e ao mesmo tempo torna as exportações mais baratas e as importações mais caras. A grande preocupação da União Europeia é que o contágio se espalhe a economias com maior peso como a Itália e a Espanha, que por arrasto poderão colocar toda a comunidade em risco.
Figura 1- Défices Públicos.
No caso da Irlanda, a completa liberalização da sua economia e a pouca supervisão e regulação do Estado fez com que o seu sistema financeiro tivesse entrado em falência na sequência da crise dos subprimes, obrigando o Estado a nacionalizar os bancos, o que resultou num aumentar enorme do seu défice e da dívida pública. Tornou-se inevitável recorrer aos empréstimos do FMI, com o consequente corte na despesa do Estado e aumento generalizado de impostos.


A economia grega no início dos anos 2000 estava a crescer a um bom ritmo, numa taxa anual de 4.2%, atraindo muito capital estrangeiro, o que permitia disfarçar o grande défice estrutural criado para financiar o emprego público, pensões e outros benefícios sociais. Com a adesão ao euro a Grécia beneficiou de taxas de juro mais baixas para o crédito, mas a crise económica acabou por afectar as principais actividades económicas do país (turismo e industria naval), expondo as suas fragilidades. O Governo de direita grego, para cumprir os objectivos do Pacto de Estabilidade da Zona Euro (défice até 3% e dívida pública inferior a 60% do PIB - as "regras de ouro" da Alemanha), “modificaram” relatórios e os dados estatísticos sobre o seu estado económico através da ajuda do Banco norte-americano Goldman Sachs, com swaps que escondiam o real nível de endividamento a que os gregos se vinham submetendo, mantendo a Comissão Europeia “às escuras” sobre esta matéria. A desconfiança dos mercados aumentou fortemente relativamente à Grécia, que entrou em risco de incumprimento, sendo obrigada a recorrer à ajuda do FMI e da União Europeia (posteriormente através do Fundo Europeu de Estabilidade Europeia), que em troca exigiu a tomada de medidas “draconianas” para colocar o país nos eixos, através da redução do défice e a dívida pública, a tal austeridade financeira. O novo governo grego, do socialista George Papandreou, teve de cortar com o investimento público, nas despesas do Estado e aumentar os impostos, ao mesmo tempo teve que lidar com a oposição política do anterior Governo e da sua população. Uma grande instabilidade que só aprofundou a recessão económica e colocou o rating da dívida do país no nível de “lixo”.
O caso português vem de um problema estrutural de várias décadas, caracterizado pela falta de competitividade e de produtividade da nossa economia, acompanhada com aumentos dos gastos do Estado e da partidarização da administração pública através de redes de clientelagem. Este é um problema que advém desde as legislaturas de Cavaco Silva, que não foram devidamente contrariadas durante os governos de Durão Barroso e do socialista José Sócrates. Cavaco Silva aproveitou a época das "vacas gordas", dos enormes fundos estruturais da União Europeia para construir várias infraestruturas, aumentar o emprego público, ao mesmo tempo que desperdiçava dinheiro comunitários e apoiava a política da União Europeia de acabar com a produção dos agricultores e pescadores portugueses, apostando num crescimento económico com base no consumo e nos serviços. António Guterres prosseguiu a mesma política, mas quando Portugal chegou ao Governo de Durão Barroso descobriu-se que o país estava de "tanga", procurando-se combater isso através da redução da despesa do Estado, mas especialmente pelo aumento de impostos. O objectivo de entrar na zona Euro lá foi conseguido, muito graças a receitas extraordinárias e ao aumento de impostos, apesar do país não estar preparado em termos estruturais para a mudança. José Sócrates, apesar do interregno irresponsável de Santana Lopes, prosseguiu com a política de Barroso, mas continuaram a faltar verdadeiras reformas estruturais para fazer crescer a economia portuguesa, pelo que não foi novidade a queda de Portugal aos pés da especulação dos mercados quando a crise mundial "bateu à porta" e expôs a real situação do país, tendo sido obrigado a recorrer ao FMI e à Comissão Europeia e às contrapartidas que isso implica.

Apesar de Portugal ter recebido ajuda internacional e de ter entrado um Governo liberal de direita com a promessa de uma maior austeridade, com cortes nos gastos do Estado e com um aumento de impostos, o nível de notação é colocado no "lixo" em 2011, reforçando o que é óbvio, que Portugal vai entrar numa recessão profunda, com mais desemprego, menos investimento económico e menos receita fiscal, entrando em risco de incumprimento, o que faz questionar toda uma política mundial de como combater a crise.
A crise da divída soberana teria de vir bater à porta dos EUA. O aumento dos gastos do Governo Federal, especialmente devido à política de Defesa e de salvamento do sistema financeiro americano iniciada pelos Republicanos, levaram à necessidade do presidente democrata Barrack Obama de elevar o tecto orçamental da dívida para o país não entrar em incumprimento. Os democratas têm o plano de cortar 1.5 triliões de dólares nos gastos federais em 10 anos, assim como um aumento de impostos que afectará também os mais ricos, os denominados "job creators" pelos republicanos, avessos a esta medida, bloqueando a resolução de aumentar o tecto da dívida na Câmara dos Representantes, impulsionado pela sua ala radical, o Tea Party.

Os republicanos,desde Ronald Reagan, têm sido os grandes responsáveis pela maior parte das vantagens e insenções fiscais concedidas aos milionários e às grandes empresas e grupos económicos, que estão actualmente no patamar mais baixo de sempre, comprometendo receita fiscal do Estado e exigindo mais sacrifícios à classe média. Como são os republicanos que controlam o Congresso, a defesa por esses privilégios é acérrima, alegando que a sua eliminação prejudica a economia. Porém, o Presidente norte-americano afirmava que «não será aceitável» impedir o aumento do tecto da dívida do país e manifestou a intenção de evitar uma situação de incumprimento pelos EUA, e exemplificou com os administradores de fundos de risco, que não deviam pagar menos impostos que as suas secretárias, e que não se deviam continuar a conceder benefícios especiais a empresas de petróleo capazes de lucrar dezenas de milhares de milhões de dólares. 
Os Republicanos e Democratas lá chegaram a um consenso que permitiu aumentar o tecto da dívida americana, contudo, tal não evitou que as agências de rating baixassem o nível de notação dos EUA, o que tem provocado mini-crashes da Bolsa um pouco por todo o mundo.

TO BE CONTINUED...

Questões:
1- Se o Estados foram fundamentais para evitar o colapso do sistema financeiro e se a auto-regulação dos mercados não funciona, porque é que os Estados se têm demitido da regulação e supervisionamento da economia?
2- Se a política de austeridade não resulta, havendo o perigo cada vez maior de incumprimento, porque é que não se tenta outra abordagem?
3- Porque é que o liberalismo está na moda se foi ele que nos colocou nesta trapalhada?

4- Porque é que a classe média leva sempre com grande parte da austeridade em cima? Uma classe média forte, com poder de consumo, não é extremamente importante para a economia?

5- O aumento do fosso entre os mais pobres e os mais ricos numa sociedade de consumo não estará na origem de motins e de vandalismos um pouco por todo o mundo?

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